Existência

Sei lá!

Uma pequena história: 

O professor largou o seu cachimbo sobre a mesa, levantou os olhos para a classe de alunos e disparou um ensinamento de Schopenhauer - "Quanto menos inteligente um homem é, menos misteriosa a existência lhe parece”. 

E prosseguiu inquisidoramente: - Alguém aqui encara a vida como óbvia, sem mistérios? 

Seguiu-se um longo silêncio. 

Claro que tinham muitos, jovens de alma, que achavam que já sabiam tudo, mas e para admitir? 

Mais silêncio ainda foi ouvido por todos antes que uma aluna do fundo exclamasse:

"Estou aqui, mais do que isso eu não sei"*

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Não há o que não haja.

 

Como vimos antes nos fundamentos, cada um deles pode ser apresentado de forma sintética por meio de algumas fórmulas.

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“Sábio é quem se contenta com o espetáculo do mundo” - Fernando pessoa.

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Tudo existe!

O primeiro fundamento, da Existência, afirma que tudo existe na realidade. Algumas coisas como memórias do passado, outras como presente imediato, outras como projeções nossas para o futuro. Algumas histórias existem com a pretensão de serem literais (como os documentários), outras existem sem ter essa pretensão como essencial, a ficção. O universo é grande demais para sabermos tudo o que existe. 

O princípio da existência nos convoca a aceitar a realidade como ela é. Em sua totalidade e em suas diferenças. 

Devemos reconhecê-la como existente inclusive, na verdade principalmente, nas coisas que nos desagradam, pois negá-la é negar o ponto de partida realista de onde estamos e, portanto, inviabilizar o traçado de um trajeto válido para um outro lugar onde queremos chegar. 

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O destino conduz o que consente e arrasta o que resiste.” - Sêneca.

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Reconhecer e reinventar a existência.

Este princípio tem forte caráter fenomenológico e trabalha a favor de nossa compreensão do mundo no qual nos inserimos. Este princípio afirma o que é, a existência, seja dos fenômenos, das ideias, opiniões, experiências, e assim por diante.

À existência, assim como aos demais fundamentos, nos cabe fazer essencialmente duas coisas: Reconhecer e reinventar. Reconhecer quer dizer observar e aceitar que as coisas são como são, concordemos ou não com elas. Reinventar quer dizer que, a partir de tudo o que existe, outras possibilidades também podem se tornar atuais, para além dessa imediata que vejo e que não desejo. A primeira não deixará de existir - tudo existe - mas podemos construir uma nova história, afinal:

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Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos” - Anais Nin.

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Não há o que não haja.

Assim, se não somos capazes de constatar a realidade como ela é quando ela nos desagrada, quer dizer que não somos capazes de apreciar a beleza do mundo no cotidiano, porque de regra é o que diz o ditado:  "não há rosa sem espinho”.

Sobre a existência podemos dizer também que não há o que não haja

Afinal, mesmo que neguemos que algo existe, aquilo existe, no mínimo, como uma ideia mantida acesa em nossa mente. Nesse enfoque, podemos dizer que temos dois tipos de existência: a existência na forma afirmada, e a existência na forma negada (a inexistência). 

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Quando um sábio olha para o nada ele vislumbra o tudo! 

Não há espaço vazio para a expansão robusta do saber.” 


- Valéria Nunes de Almeida e Almeida.


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A existência de algo é uma coisa, a forma que adota em cada momento é outra.

A existência de cada ente, cada ser, independe da estrutura, da forma, ou do estado no qual ele se encontra naquele momento (a água é água seja líquida, seja sólida, seja vapor). As coisas simplesmente são, independente das diferentes formas variáveis que adotam, da realidade, como no caso das formas passadas, formas presentes e formas futuras da realidade.

É certo contudo que, sem recorrer ao paradigma da religião, temos dificuldade de aceitar a existência de um ser intangível que existe distintamente do ente tangível por meio do qual se manifesta (uma tema priorizado pelo filósofo Martin Heidegger)


Retoricamente podemos responder que o ser, a imanência dos entes, não é visto sem seu invólucro da mesma forma que não vemos as pessoas nuas na rua sem as suas roupas.


E a tentativa de analisar cientificamente, e a tentativa de sintetizar espiritualmente, para chegar-se à essência das coisas, ultrapassando-se o simples reconhecimento da existência, é equivalente a tentativa de conquistar o horizonte, inútil, pois "a existência é como o horizonte: quando nos aproximamos, ela continua lá, quando nos afastamos, ela continua lá".

 

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A sabedoria tem premissa na observação de que tudo está vivo, Mahahrdaya ensina pelo trabalho o valor de que tudo existe, a ilusão em Maya também existe, o invisível existe, o visível existe, assim como o prana do universo existe, o prana planetário existe, nada um dia imaginado, ou não conhecido, está fora do existir, tudo está interligado, logo, tudo existe para todos.” 


- Mahahrdaya Vishnulaktare)


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A existência é perfeita em si, não importa (para ela) se a tratamos assim ou não. 

Para nós importa.

Um dos desafios de reconhecer a existência como ela é está em se confundir duradouro, perfeito, completo, verdadeiro, atual - todos esses aspectos relevantes - com a existência, que vem antes deles, que os transcende, e que os fundamenta..

Até os mestres estão continuamente tropeçando nesta lição. Na verdade, naquilo que somos maduros, temos a reconhecer a existência sem lutar contra ela, e o contrário acontece naquilo que somos imaturos e inseguros.

No filme O Último Samurai, Katsumoto - o último samurai - (não, Tom Cruise não é o último samurai) está no jardim e conversa com seu hóspede americano. 

Ele diz: "A flor perfeita é rara, você pode passar a vida inteira procurando e não seria um desperdício.” Muita ação se passa nessa dramatização da derrocada dos samurais no Japão. 




Ao final, no campo de batalha, todos companheiros de Katsumoto morreram e ele também está passando desta para "a melhor" após ser mortalmente ferido por uma poderosa arma de fogo moderna. 

Ele se apoia em seu amigo americano, que lhe ajuda a pegar sua espada e a cometer o harakiri para morrer com honra, por suas próprias mãos. A espada penetra seu intestino, em seus últimos suspiros Katsumoto olha para um campo florido e reconhece: “Perfeitas. Todas são perfeitas”. 





A legenda do momento poderia ser: "A perfeição está na existência. tudo o que existe é perfeito".





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Provérbio Adinkra:



Ubuntu: sou o que sou porque nós somos.




Por ora costumo ver a existência costuma ser um fundamento imanente que de certa forma precede aos demais. 


Todavia, com essa contribuição acima, da minha amiga Sonelise Cizoto, percebo que o pertencimento também forma a existência, em certa medida, quando sou o que sou porque nós somos. 


Essa reflexão parece abrir o fundamento da existência para ser desdobrado, para além de seu papel original, como novas existências que talvez decorram da variação, do pertencimento, da autonomia e das forças e contraforças.



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O fato de o reconhecimento da existência ser o primeiro fundamento, ou seja, a primeira coisa que devemos fazer é perceber as coisas como são, implica também a orientação de que devemos suspender o julgamento e adiá-lo, e que ele não deve acontecer antes, ou mesmo durante a percepção da realidade, que é o primeiro passo. 


Ou seja, os métodos que indicam a suspensão do julgamento do que é bom ou mal, certo ou errado, justo ou injusto, como um princípio para alcançarmos uma melhor compreensão do mundo, estão dizendo a mesma coisa de uma forma diferente: o primeiro passo é reconhecer a realidade como ela é, sem julgamentos. o julgamento vem depois.



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*autor desconhecido (para mim pelo menos). PS1: Não, ela não estava drogada. PS2: Não, ela não demorou porque estava procurando uma boa resposta no Google, rs.

Crédito da imagem: Tomas Anunziata: https://www.pexels.com/pt-br/foto/estrada-de-concreto-preto-durante-a-noite-412026/


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Aplicando a existência à realidade como ela é, concluímos o que?


O fundamento da existência ao se desdobrar e aplicar-se aos demais aspectos da realidade como ela é gera conclusões tais como: 


A realidade não é apenas concreta, mas também abstrata.


A realidade abstrata é tão real quanto a realidade concreta.


A realidade é maior do que apenas a realidade concreta.


A realidade não é apenas presente, mas também passada e futura.


A realidade não é apenas tangível, mas também intangível, e tem as duas dimensões.


A realidade é feita tanto do que é perene nas coisas quanto dos estados em que as coisas se encontram.


A realidade não é feita apenas daquilo que é atual, mas também daquilo que é possível.


A realidade é feita do que acreditamos e do que não acreditamos.


A realidade não é apenas feita do que aceitamos, mas também do que não aceitamos.


A realidade não é apenas feita do que entendemos, mas também do que não entendemos.


A realidade não é apenas o que a gente admite que ela é, mas também o que não admitimos.


A realidade do que somos é feita também de tudo aquilo que não sabemos sobre nós.


A realidade não é feita apenas do que acreditamos, mas também do que os outros acreditam.


A realidade pessoal é formada tanto pelos sentimentos quanto pela percepção.


A realidade pessoal é formada tanto pela realidade externa quanto pela realidade interna.


A realidade é compreendida tanto pela abordagem disciplinada quanto pela indisciplinada.


A realidade é tanto técnica quanto científica, moral, política, religiosa, filosófica e artística.


A realidade é tanto aquilo que muda quanto aquilo que permanece.


A realidade é feita tanto de semelhanças quanto de diferenças.


Os caminhos trilhados são formados tanto pelo fim, quanto pelo princípio, quanto pelos meios adotados.


A realidade é construída tanto pela autonomia quanto pelo pertencimento.


A realidade é constituída tanto do que é absoluto quanto do que é relativo.


A realidade se realiza tanto pela inclusão quanto pela exclusão.


A realidade é formada tanto por forças quanto por contraforças.


A realidade se realiza tanto pela ordem como pela desordem.


A realidade da parte é tão real quanto a realidade do todo.



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Aqui você encontra a lista de todos os aspectos da teoria e pode usá-la para navegar por eles.


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