Apenas Isso

 


A análise desse aspecto inicia-se na página das Posturas.


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Tem aquela que até vê o mundo lá fora, mas o 

negócio dela é com ela mesmo, e pronto.


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"Daqui não saio, daqui ninguém me tira..."

(marchinha de carnaval)


Algumas pessoas (só algumas?), dizem, são mais teimosas que uma mula. Eu particularmente acho que somos todos muito teimosos e arraigados. Principalmente se o assunto é importante para nós. Costumamos defender nossas crenças com "unhas e dentes".

Essa abordagem de acreditar e agir como se apenas eu estivesse certo, cheio da razão, dono da verdade, é uma atitude natural, agradável (inicialmente, até encontrar outro que tenha o mesmo comportamento) e simples. Agimos "como se" estivéssemos sozinhos no mundo e tomamos a nossa perspectiva das coisas como a visão correta, completa, irretocável da realidade das coisas.

O prego pregado, fixo e dificilmente realocável é uma bela metáfora para esse comportamento, essa abordagem das situações da vida, que denominamos de "sozinho no mundo", ou, mais tecnicamente, "apenas isso".

Quem age como se "apenas isso" que acredita existisse, nega o fundamento da existência, porque todas as coisas que não gostamos existem. Se me aprisiono a apenas uma verdade, e nego verdade, validade, honestidade, utilidade etc. à opinião, valores, intenção dos outros; e se os outros fazem o mesmo, vivemos como se estivéssemos numa batalha do bem contra o mal, do tudo ou nada, ou seja, somos levados para a 2a abordagem dos conflitos, denominada "isso ou aquilo". 


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Apenas Isso (APIS)

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Tem 100% de certeza absoluta? Cuidado, menos que isso e você corre o risco de se tornar razoável.

A abordagem do sozinho no mundo é uma atitude de tudo ou nada, 8 ou 80. Assim, acredito que o que penso é 100% verdade e nada do que os outros pensam diferente é uma verdade relevante também. Se eu só foco a minha posição, mas dou a ela um percentual/probabilidade de verdade e aceito que ela pode ser mais ou menos válida, aplicável num contexto sim e em outro não, já estou relativizando minha crença, o que dá espaço natural para aceitar a existência e validade de outras visões de mundo diferentes da minha. Nesse caso, mesmo sem o acréscimo de outras informações, já dá para saber que eu estou usando a terceira, "isso e aquilo", ou quarta abordagem, "cada um em sua medida".


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Ficha do aspecto.

Nome: Apenas Isso

Número: 30

Sigla: apis

Termos semelhantes: "sozinho no mundo", 

Explicação do que não é

Essa abordagem não é aquela pessoa que, mesmo afirmando sua posição com convicção, pondera os argumentos contrários e os considera, testando a própria crença como uma hipótese que merece ser sempre verificada.

Explicação do que é

Agir como se estivesse sozinho no mundo é agir como se fosse o dono da verdade e se tivesse uma visão perfeita e sem distorções sobre o que é a realidade, é arrogar-se que vê o mundo pelo "olho de Deus", irretocavelmente, infalivelmente, irrestritamente, e inapelavelmente.

Métodos análogos

Todos os métodos que buscam uma única verdade final, mesmo que de forma adequada, correm o risco de terem tomadas de si apenas a conclusão absoluta irreversível, e descartado o método científico, reflexivo, cuidadoso pelo qual se buscou chegar à conclusão inabalável.

Aspectos relacionados: "apenas isso" é uma das quatro posturas da realidade, junto com "isso ou aquilo", "isso e aquilo" e "um por todos, todos por um e cada um em sua medida".



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"I will die in this hill."


A imagem acima é uma cena da batalha dos bastardos, na série Game of Thrones, onde John Snow, num momento em que é arrebatado pela fúria, joga-se contra todo o exército inimigo, sem o menor pudor de que irá morrer, porque neste momento está "pouco se fudendo" para isso.

A frase abaixo é uma expressão da língua inglesa usada por alguém que adotou uma ideia que sabe ser questionada e que diz que irá mantê-la até o fim, custe o que custar.

Tanto a imagem acima (que virou meme), quanto a expressão idiomática, traduzem o núcleo da abordagem "sozinho no mundo", que não é apenas a convicção, não revisável, de uma certeza absoluta, mas também a disposição pessoal de sacrificar valores fundamentais, próprios e alheios, para preservar a opinião própria acima de tudo, custe o que custar.


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Como diz o ditado, que bom seria se usássemos tanta energia para selecionar nossas crenças quanto usamos para defendê-las.


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A realidade como ela é, em toda a sua complexidade, inclui bilhões de pessoas agindo, cada uma delas, eventualmente, como se estivesse sozinha no mundo e fosse dona de toda a verdade que existe.


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Quando pensamos nas convicções absolutas e não revisáveis que muitos demonstram, podemos conceber o jogo da realidade como uma corrida de obstáculos, onde cada dogma inquestionável - dos outros, mas principalmente os seus próprios - é como uma barreira ou armadilha onde você pode ficar preso ou cair se não souber ultrapassá-la.


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"Política e religião não se discutem", ou, quanto menos eu conheço, mais convicção eu demonstro.

De uma perspectiva mais cínica, ainda, quanto menos temos certeza direta de algo, quanto mais aquela crença é distante da realidade da minha experiência, maior costuma ser a convicção com a qual a defendo. 

Dois exemplos de temáticas que estão longe da experiência real imediata, mas, de regra, são objeto de demonstração de muita convicção pelas pessoas:

a) a religiosa, um Deus onipresente, que ocupa todo o universo conhecido e desconhecido (que sei eu do universo? se não sei nem quem mora na casa na esquina da minha rua!), e 

b) a política, que fala de toda a cidade onde vivo, de todo o estado/província, de todo o país, sendo que não sei nem o que se passa neste momento do outro lado da quadra onde moro. 

Esses são temas cuja abrangência é enorme, eu sei quase nada sobre a origem e funcionamento do universo ou mesmo do país, e normalmente são nesses que eu faço as afirmações mais cheias de certeza.


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Sozinho no mundo sempre é sobre mim e sobre a realidade pessoal.

Como se diz, o ser humano é dotado da capacidade de raciocinar, de usar a razão para formular hipóteses, submetê-las a testes de falseabilidade (Karl Popper), atribuir graus de probabilidade de maior ou menor certeza a cada enunciado, descartar hipóteses rejeitadas, criar novas, e fazer isso na interação com os pares, utilizando-se da inteligência coletiva para fazer avançar o conhecimento.

Se essa capacidade existe, então por que tantas vezes ela não é usada e nós gastamos tanta energia discutindo com os outros, brigamos, desrespeitamos o que os outros sentem e acreditam, tudo para defender uma visão da realidade que é apenas uma versão, temporária, circunstancial e limitada?

A resposta curta aponta para conteúdos pessoais nossos, insegurança, medo, desejos, inveja, etc. enfim, variados aspectos de nossa realidade pessoal, que se não os conhecermos e amadurece-los, estaremos sempre à mercê dessa sombra junguiano que sabota nossas capacidades e nos faz agir como se fôssemos muito mais estúpidos do que somos.


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A abordagem do 'apenas isso' e o fundamento da existência. 

Uma das formas mais simples de se evitar a armadilha de agir como se estivesse sozinho no mundo é lembrar e aplicar o fundamento da existência, que afirma que "tudo existe" e "não há o que não haja". Assim, em vez de presumir que nossa compreensão possa ser a única verdadeiramente existente, assumimos que existem toda a sorte de opiniões, crenças, visões, interpretação, experiências etc. e que reconhecer a existência delas, como elas são, sem distorce-las (straw man) e sem julgar qual é a certa e qual é a errada, é o primeiro passo para uma boa compreensão do mundo.


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A abordagem do 'apenas isso'  e o fundamento da variação.

Se entendemos que todo no mundo, com o tempo, e conforme as circunstâncias, muda. E se entendemos que a variedade - de crenças, ideias, valores, objetivos etc. - é decorrência dessa variação do mundo, aceitamos como mais naturais as diferenças entre nós e os outros e não gastamos energia agido como se estivéssemos sozinhos no mundo, e vamos direto para a abordagem do 'isso e aquilo', na qual partimos do pressuposto de que as pessoas são diferentes e que essa diferença precisa ser acomodada e sua relação desenvolvida, de alguma forma que não seja a de tentar ser o dono da verdade e desacreditar os que não concordam conosco.


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A abordagem do 'apenas isso'  e o fundamento do pertencimento

O pertencimento afirma que tudo está conectado em nossa realidade. Assim, a tentativa de eliminar de forma inconsequente a validade de quem pensa diferente de nós é violadora do pertencimento e, portanto, errada. E, se as coisas são, também, umas em relação às outras, não faz sentido querer excluir ou desconsiderar esse "outro" em relação ao qual minha opinião diversa existe.


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A abordagem do 'apenas isso'  e o fundamento da autonomia.

A habilidade de reconhecer a autonomia de cada visão de mundo, e que elas podem ser diferentes e, cada uma em si ter o seu valor, por si, é a aplicação do fundamento da autonomia. Assim, eu penso de um jeito e você pensa de outro, e tá tudo bem. A autonomia aceita com naturalidade a multiplicidade de explicações e comportamento sobre o mesmo tema, afinal, cada qual com a sua interpretação, com as suas prioridades, com a sua história, com os seus sentimentos, e assim por diante.


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A abordagem do 'apenas isso'  e o fundamento das forças e contraforças.

Se aceitamos que a vida é um eterno jogo de forças e contraforças, de teses e antíteses, de conjecturas e refutações, aceitamos que nossas crenças, verdades, percepções são parte dessas forças e contraforças, e entram no jogo com as demais, sem a pretensão de destruí-las e apagá-las do mapa, mas com a confiança sólida e madura de que essas diferenças ora tensionam, ora apaziguam, ora divergem, ora convergem, em maior ou menor medida, buscando um ajuste, ponderação e talvez até equilíbrio, que, mesmo temporário, nos permite uma vida melhor e mais harmônica.


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De vez em quando, agir como se estivesse "sozinho no mundo" é o mais nobre a fazer.

Embora o erro mais comum das abordagens seja essa visão exclusivista, autocentrada e engessada que se corporifica em agir como se estivesse "sozinho no mundo", às vezes esse é o certo a fazer. 

Acontece que quem já faz isso sempre vai ser o primeiro a querer usar essa regra excepcional para justificar o seu comportamento habitual. Mesmo assim é importante ressaltarmos que às vezes temos mesmo convicções, valores, perspectivas, que são minoria e que, por isso, parecem radicais. Giordano Bruno, Galileu Galilei e Copérnico já foram essas pessoas em nossa história, por exemplo.

Então quais os elementos que podem nos ajudar a aplicar essa exceção corretamente? 

Para isso vale lembrar aspectos como: a) se você está propondo algo novo, e não defendendo algo tradicional, há mais chance que sua divergência se justifique, b) se você ouve, pondera e desenvolve os argumentos contrários a sua tese (steel man), c) se você faz pequenos ajustes explicativos que sejam em sua tese original, a partir das refutações qualificadas que recebe.


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Aqui você encontra a lista de todos os aspectos da teoria e pode usá-la para navegar por eles.


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Crédito das imagens: 

1. Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/lrasonja-18839267/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=5850628">Lucija Rasonja</a> por <a href="https://pixabay.com/pt//?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=5850628">Pixabay</a>

2. Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/geralt-9301/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=6402051">Gerd Altmann</a> por <a href="https://pixabay.com/pt//?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=6402051">Pixabay</a>

3. imagem prego e martelo: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/carvit56-9226797/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=7333333">Bill Shortridge</a> por <a href="https://pixabay.com/pt//?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=7333333">Pixabay</a>

4. John Snow na batalha dos bastardos, retirado de https://ocapacitor.com/game-of-thrones-showrunners-comentam-battle-of-the-bastards/







 

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